Cátedra Oswaldo Cruz

As doença emergentes e reemergentes são um desafio para a saúde pública mundial e também para o Brasil. Recentemente, vimos a emergência de um novo coronavirus (2019 nCoV) na China, no final de 2019. Este vírus vem se espalhando já causando mais de 19 mil infecções e mais de 400 mortes. A 2019 nCoV já se disseminou por mais de 22 países e ameaça chegar em outros países que tem uma relação comercial intensa com a Ásia. Este é o caso do Brasil e o governo federal já iniciou várias medidas para evitar a introdução no 2019 nCoV em nosso país. Nesta classe de patógenos vimos nas últimas duas décadas o surgimento de dois outros coronavirus SARS CoV e o MERS CoV, que também causaram um grande prejuízo econômico, acarretando mais de 1000 óbitos na Ásia e no Oriente Médio. Ainda nesse grupo de vírus respiratórios, temos o vírus da influenza que, durante estas duas últimas décadas, vimos o aparecimento de novas cepas letais vindas de eventos zoonóticos como o H1N1, H1N2 e H1N5. Alguns desses vírus causaram a morte de mais de 800 brasileiros em diferentes anos de circulação.

Focando mais no Brasil, temos a Amazônia como um celeiro de novos vírus e este ecossistema tropical é tido como o local em nosso planeta com mais vírus com potencial de causar epidemias. Na verdade, somente se conhece 2% dos vírus que circulam no Brasil. Dentre estes vírus temos os arbovírus (vírus transmitido por artrópodes) que causaram muita preocupação em saúde pública em todo o mundo e também no Brasil. Esse conjunto é composto por centenas de vírus que compartilham as características de transmissão por artrópodes – principalmente mosquitos hematófagos -, embora não estejam necessariamente relacionados filogeneticamente. Os vírus mais importantes para a saúde humana são os transmitidos por culicidae, principalmente dos gêneros Culex e Aedes, embora vários arbovírus possam ser transmitidos por outros artrópodes, como moscas e carrapatos. A maioria dos arbovírus pertence aos gêneros Alphavirus (família Togaviridae) e Flavivirus (família Flaviviridae); outros membros importantes para a saúde humana são das famílias Bunyaviridae, Reoviridae e Rhabdoviridae. Esse grupo de vírus RNA representa grande plasticidade genética e alta frequência de mutações, o que lhes permite adaptar-se aos hospedeiros vertebrados e invertebrados. Os arbovírus, em geral, circulam entre os animais selvagens, com alguma especificidade para os hospedeiros, mantendo ciclos enzoóticos em poucas espécies de vertebrados e invertebrados. Humanos geralmente são hospedeiros acidentais. Isso ocorre na circulação da febre amarela, encontrada no Brasil em surtos silvestres, sem características cíclicas, associados a epizootias. Observamos a expansão geográfica da circulação do vírus da febre amarela de 2000 a 2009 e o ressurgimento no Centro-Oeste e Sudeste, desde 2014.

Outro exemplo de ciclo enzoótico envolve o vírus Mayaro (MAYV), transmitido principalmente por mosquitos selvagens do gênero Haemagogus, para os quais os hospedeiros vertebrados são mamíferos. Nos seres humanos, causa febre, dor de cabeça, exantema e artralgia; no entanto, casos de transmissão sustentada não foram observados.

Existem evidências da capacidade adaptativa do MAYV a ciclos alternativos envolvendo aves e humanos. Já o vírus do Nilo Ocidental (WNV) pode causar epidemias mesmo em áreas urbanas, como ocorre nos Estados Unidos. É transmitido por mosquitos do gênero Culex, e seu principal hospedeiro são as aves. Alguns vírus perdem a necessidade da amplificação enzoótica e produzem epidemias urbanas, com os seres humanos como amplificadores exclusivos de vertebrados. É o caso do vírus da dengue (DENV), Chikunguya (CHIKV) e, ultimamente, do zika (ZIKV). Vale destacar a linhagem emergente do vírus da febre amarela na região Sul em 2008, com a participação de Haemagogus leucocelaenus como principal vetor e Aedes serratus para transmissão. A presença desse último vetor em matas próximas a áreas urbanas também no Sudeste do Brasil sinaliza potencial para a ocorrência de ciclos peri-urbanos de febre amarela que levou a última epidemia de febre amarela em 2017/18. No atual cenário epidemiológico brasileiro, os arbovírus mais comuns são DENV, CHIKV e ZIKV, assim como o vírus da febre amarela atualmente em expansão e outros arbovírus com potencial de disseminação no país. A dramática disseminação da dengue nas Américas nas últimas décadas foi bem documentada, com mais de dois milhões de casos notificados em 2015 (até 8 de dezembro), totalizando 1,5 milhão no Brasil, com 811 mortes e uma taxa de incidência de 763 por 100 mil habitantes Outro importante arbovírus, recentemente introduzido no Brasil, é o CHIKV, que começou a expansão pandêmica em 2004. Uma mutação em uma linhagem africana de CHIKV permitiu que ele se adaptasse bem ao vetor A. albopictus através da alteração de uma proteína no envelope viral E1 (E1-A226V), que foi seguido por outras etapas adaptativas. Isso aumentou a capacidade do CHIKV de infectar e se espalhar nesse vetor, uma espécie abundante nas ilhas do Oceano Índico e em outras regiões da Ásia. A adaptação favoreceu a expansão do vírus em áreas urbanas e peri-urbanas naquele continente e aumentou o risco de epidemias em outras regiões tropicais, subtropicais e até temperadas, como a Europa. Essa adaptação favoreceu a expansão de virose em áreas urbanas e periurbanas atualmente e aumentou o risco de epidemias em outras regiões climáticas, subtropicais e mesmo temperadas, como Europa. A transmissão autóctone de uma linhagem asiática de CHIKV sem essas mutações foi registrada no Caribe desde o final de 2013. No Brasil, a transmissão autóctone foi detectada em setembro de 2014 no Amapá, espalhando-se para outros estados brasileiros. (http://www.paho.org). Ainda temos o ZIKV, identificado pela primeira vez no Uganda em 1947, teve seu primeiro surto documentado apenas em 2007 na Micronésia. Desde então, a área de transmissão se espalhou para ilhas no Oceano Pacífico, especialmente durante uma grande epidemia na Polinésia em outubro de 2013. Desde abril de 2015, a transmissão autóctone de ZIKV foi confirmada na Bahia e, posteriormente, no Rio Grande do Norte, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e outros estados, com pacientes apresentando condições clínicas de exantema. Posteriormente vimos que ZIKV estava associado a um aumento dos casos de microcefalia e outras más formações nos fetos, causando um elevado número de natimortos e abortos.

O governo tem que atuar mais incisivamente no combate aos vetores urbanos destas arboviroses e não somente achar que o combate ao Aedes se dá em ficar insistindo para as pessoas cuidarem dos seus jardins para não deixar água acumular. Lógico que isso também é importante, mas é um tanto insuficiente. Precisamos de políticas públicas mais robustas focadas no combate aos vetores urbanos. Como exemplo deste colossal desafio, o número de casas vazias em nosso país são cerca de 6 milhões de moradias onde há risco de encontrarmos criadouros seguros dos mosquitos vetores. Outro problema é que, também segundo o Boletim Epidemiológico, cerca de 40% de possíveis focos para o Aedes seriam de água para consumo armazenadas em caixas d’água sem tampa. Como pedir então maiores cuidados quando grande parte do acúmulo de água se deve ao fato de se ter um precário acesso a água em nossas cidades? O aumento da população de mosquitos vetores pode estar relacionada ao aquecimento global e às mudanças climáticas pelas quais temos enfrentado são eventos que comprovadamente contribuem para esta disseminação maior dos agentes transmissores destas doenças. Temos fortes evidências que associam grandes desastres com o agravamento do cenário, como o crime da Vale em Brumadinho e o reaparecimento da febre amarela em Minas Gerais em 2018.

Desde 2015, o Estado do Rio de Janeiro e o resto do país tem experimentado epidemias de dois diferentes vírus emergentes (vírus da Zika- ZIKV e vírus da Chikungunya – CHIKV), sobrepondo-se aos surtos sazonais epidêmicos de verão de vírus da Dengue (DENV), de forma que a emergência de novas viroses, mas particularmente arboviroses, tornou-se uma preocupação prioritária em Saúde no Brasil. Mesmo em relação à Dengue e seu quadro mais grave (p.ex., Febre Hemorrágica), sua persistência urbana vem preocupando as autoridades sanitárias e de Saúde do Rio de Janeiro e Federais há algumas décadas, principalmente no que concerne à recorrência alternada de diferentes sorotipos de DENV circulantes em cada surto, bem como da introdução de novos sorotipos circulantes na população, o que deve ser alvo de vigilância epidemiológica.

Em 2016, no início da epidemia de Zika e microcefalia no Nordeste e no Rio de Janeiro, a UFRJ teve uma iniciativa pioneira de montar um Rede de Pesquisa em Zika da UFRJ que logo se tornou numa Rede de Pesquisa em Arboviroses com o adição da Dengue e do Chikungunya que começaram a causar grandes epidemias em nosso Estado do Rio de Janeiro. Nossa rede teve um papel decisivo no estudo do Zika e já tivemos mais de 64 publicações relevantes, desde 2016, na área em revistas de alto impacto.

Em 2017, apareceu mais uma preocupação com as arboviroses incidentes no Estado com a presença da Febre Amarela em um surto de casos autóctones rurais e vicinais às florestas e matas do Estado do Rio de Janeiro. Não há evidência de urbanização devida à adaptação do vírus aos vetores urbanos (Aedes aegypti), mas que caracterizaram a presença de vetores exógenos selvagens já habitando as florestas e matas úmidas do Sudeste brasileiro (Sabethes sp. e Haemagogus sp.). Estes últimos vetores artrópodes, surpreendentemente já habitando o ambiente de florestas e matas tropicais do Estado, relacionam-se não só com a casuística autóctone de Febre Amarela e seu vírus (YFV) no Estado, como, possivelmente, com a presença recentemente detectada do alfavírus (da família Togaviridae) Mayaro (MAYV), da mesma família e grupo do CHIKV. Tal detecção ocorreu entre casos suspeitos não confirmados do surto de CHIKV de 2016, em infecções autóctones em pelo menos três indivíduos residentes no Rio de Janeiro. A introdução do MAYV pode ser um problema de diagnóstico já que podemos ter reações cruzadas dos anticorpos de CHIKV com o MAYV. Outros arbovírus ameaçam a serem introduzidos em nosso Estado. Entre estes, situam-se alguns Flavivírus (ex., vírus da Febre do Oeste do Nilo, ou West Nile Virus – WNV; vírus da encefalite Venezuelana – EVV), Bunyavirus (Oropouche – OROV e Maguary) e Togavirus (alphavirus Mayaro – MAYV), entre outros.

Devido a emergência e reemergência de diferentes vírus no Brasil e no mundo temos que ter uma abordagem proativa em relação ao preparo do país para enfrentamento destas doenças que sempre estão ameaçando nossa população. Em relação aos novos agentes patogênicos temos que focar na vigilância epidemiológica, virológica e também no desenvolvimento de novos kit diagnósticos que possam ser utilizados no combate à estas epidemias. Este é o caso do nCoV e nos novos arbovírus brasileiros como o MAYV e OROV assim como o ZIKV e CHICK que ainda não tem kits comerciais sorológicos e moleculares sensíveis e específicos de baixo custo para o diagnóstico de pacientes doentes ou para inquéritos epidemiológicos em populações chaves. Já nos vírus mais conhecidos que estão reemergindo como a Dengue e Febre Amarela temos ainda que desenvolver planos de controle através de vacinas e combate a vetores assim como de vigilância epidemiológica e eventos zoonóticos como no caso da Febre Amarela.

Propostas para o Brasil no enfrentamento destas doenças Dentre as atividades desta Cátedra pretendemos gerar, juntamente com a ajuda de uma rede de pesquisadores (vide lista em anexo), um Plano de Enfrentamento destes agravos para o Brasil. Neste plano vamos focar em diferentes iniciativas que estão descritas sumariamente abaixo:

Plano de contingência.

Nosso grupo de pesquisadores vai elaborar um plano de contingenciamento que possa ser aplicado por ocasião de emergência de novos vírus dentro e fora de nosso país visando a identificação de pessoas infectadas e também meios de prevenção da propagação do patógeno.

Plano de vigilância ativa.

Nosso grupo também vai atuar montando um plano de vigilância epidemiológica para identificar e localizar de uma maneira precoce a entrada e ou emergência de novos patógenos emergentes em nosso país. Nesta área também daremos importância aos estudos de vigilância em animais silvestres por ocasião de surtos de mortes de animais silvestres sentinelas como macacos e morcegos, assim como domésticos como porcos e galinhas. Igualmente iremos elaborar novas estratégias de controle de insetos urbanos vetores dos arbovírus como um método de prevenção destas infecções em humanos. NB4 e seu papel no estudo destes novos vírus. Dentre estas iniciativas vamos discutir a implementação de um novo laboratório com nível de segurança NB4 no Brasil para dar condições à nossa comunidade cientifica de pesquisar vírus emergente classe 4 que
possam originar dentro do Brasil ou importados.

Plano de desenvolvimento de ferramentas diagnosticas.

Daremos um foco importante para o desenvolvimento de novos testes simples e rápidos sorológicos e moleculares para a identificação destes novos patógenos que possam ser utilizados na rede pública de saúde. Estes testes devem ser simples e baratos para que nosso sistema de saúde possa incorpora-los em nossos LACENs e hospitais e UPAs.

Política de troca de informações na área.

Nosso grupo vai elaborar um plano de difusão de informação privilegiada que possa ser localizado no Web Site da UFRJ para esclarecer dúvidas da população evitando a difusão de notícias falsas que atrapalham o controle destas novas epidemias.