UFRJ 105+: Trajetória, Agenda e Futuros Compartilhados

25 SET – QUI- 17H

Apresentação:

No marco dos 105 anos da UFRJ, o Programa de Cátedras do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ reafirma a força da universidade na produção de conhecimento crítico e plural. Cada Cátedra traz uma lente singular para compreender os desafios do presente e projetar horizontes para o futuro, cobrindo temas como política industrial e inovação tecnológica; história e patrimônio; desigualdades sociais e vitalidade democrática; juventudes, subjetividades e práticas culturais; educação e trabalho; e as interfaces entre ciência, saúde e sociedade. Ao integrar essas contribuições, as Cátedras sustentam a trajetória e a agenda do CBAE, ampliando o impacto social e intelectual da UFRJ e oferecendo testemunhos que articulam memória, experiência e a construção de futuros compartilhados para a universidade e para o país.

Participantes:

Adalberto Vieyra, Adriano Proença, Andrea Daher, Cláudia Mermelstein, Elisa Reis, Helena Theodoro, Lúcia Rabello de Castro, Manoel Costa, Priscila Machado Vieira Lima, Ronaldo Mota – Titulares de Cátedras do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ.


Coordenação:

Ana Célia Castro – Diretora Geral do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ

Presencial:

Espaço Castro, Lessa e Conceição do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo, Rio de Janeiro

Transmissão:

Canal do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ no YouTube

MedCine: Miss Evers’ Boys

10 OUT – SEX – 18H

A Cátedra Carlos Chagas Filho de Fronteiras da Biologia e da Medicina do Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e alunos de medicina da UFRJ convidam para o cineclube “MedCine”. Estamos assistindo filmes que envolvam temáticas médicas e/ou científicas, e depois fazemos uma breve discussão sobre o filme.

A 8ª sessão de 2025 será no dia 10 de outubro, de 18 às 22 horas, no CBAE, Av Rui Barbosa 762, Flamengo. O filme a ser exibido é “Miss Evers’ Boys”, que conta a história de um experimento não consentido durante uma epidemia de sífilis em 1932.

Esta será uma Sessão conjunta em comemoração ao Centenário do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) da Faculdade de Medicina da UFRJ

Alunos da UFRJ que se inscreverem no MedCine como atividade de extensão vão ganhar créditos se assistirem três ou mais sessões no semestre, ou pelo menos 6 sessões no ano.

Oferecemos refrigerante e pipoca.

Mais informações e a lista dos filmes que já assistimos em

https://sites.google.com/histo.ufrj.br/catedra-ccf-ufrj/medcine

Diálogos com Benjamin Coriat, Comuns e Bem Comum no Antropoceno — Mercado, Clima e Poder

1 OUT – QUA – 10H30 E 3 OUT – SEX – 10H

Apresentação

Ao longo de dois dias de debates, o evento aprofunda a reflexão sobre as noções de bens comuns e bem comum, articulando as contribuições de Elinor Ostrom e Stefano Rodotà às urgências do Antropoceno e da crise climática. No primeiro dia, discutem-se as distinções conceituais e históricas entre communs e biens communs, sua evolução, tipologias e relevância como instrumentos coletivos diante das transformações socioambientais. Já o segundo dia promove um confronto entre a visão de mercado, representada por Jean Tirole, e as perspectivas centradas nos comuns, inspiradas em Ostrom e Rodotà, tendo como horizonte a construção de soluções para a governança climática e a afirmação do bem comum em escala global.

O encontro é realizado em parceria com a Academia do INPI e conta com a participação da antiga Linha de Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED/UFRJ).

Bionote – Benjamin Coriat

Benjamin Coriat é economista e professor emérito da Université Paris XIII (Sorbonne Paris Nord), membro do Centre d’Économie Paris Nord (CEPN). Reconhecido internacionalmente por seus estudos sobre inovação, propriedade intelectual e economia dos bens comuns, foi um dos fundadores do grupo de pesquisa Les Économistes Atterrés. Autor de referência na reflexão sobre as transformações do capitalismo contemporâneo, destacou-se por integrar as contribuições de Elinor Ostrom e Stefano Rodotà na análise dos communs e biens communs, explorando sua relevância para a governança democrática, para a justiça social e para os desafios da transição ecológica. Entre suas obras mais conhecidas estão Le retour des communs (2015) e La pandémie, l’anthropocène et le bien commun (2021).


Debatedores:

Maria Tereza Leopardi – PPED/IE/UFRJ

Allan Rocha de Souza – Professor, Pesquisador, Advogado e Consultor Jurídico; Direito/ITR/UFRRJ – PPED/IE/UFRJ – INCT Proprietas

Presencial:

01/10 — Instituto de Economia da UFRJ – Campus Praia Vermelha, sala 102, Palácio Universitário da UFRJ – Av. Pasteur, 250 – Botafogo

03/10 — Espaço Castro, Lessa e Conceição do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo, Rio de Janeiro

Transmissão:

Canal do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ no YouTube

A nação como imagem recriada

Foi preciso alguns segundos até que a voz atravessasse o silêncio. O som falhou na transmissão híbrida — auditório do CBAE e tela do YouTube se entreolhando — como se o próprio tema resistisse a ser ouvido. Falar de nação é sempre um ajuste de frequência: encontrar o tom que permita ouvir e ser ouvido.

Quando o áudio voltou, a conferência convidada do curso Imagens dos Mundos Reais e Imaginários, oferecido no âmbito da Cátedra Fernando de Souza Barros sob a coordenação de Adalberto Vieyra, ganhou corpo. Foi ele quem apresentou a convidada da noite, a socióloga Elisa Reis, que retomou a pergunta de Ernest Renan: o que é, afinal, uma nação? E lembrou sua resposta imortal, dada em 1882: “a nação é um plebiscito de todos os dias.”

Era 8 de setembro de 2022, logo após o bicentenário da Independência. Três anos depois, ao ouvir as palavras novamente, percebe-se que o gesto não era apenas de celebração. Era convite à reflexão sobre uma independência que ainda não se cumpriu. “Estados nacionais não são produtos acabados e imutáveis”, afirmou Elisa. E explicou que a fusão entre pertencimento e autoridade nunca nasce pronta nem se torna definitiva: preserva e transforma, enfrentando os limites, e valendo-se de oportunidades emergentes para assim mobilizar condições favoráveis e fazendo valer valores e escolhas individuais e coletivas. Em outras palavras, a nação é sempre um campo em disputa, uma fotografia em revelação.

Na sua leitura, o Brasil nasceu com o Estado antes da cidadania. A independência foi proclamada sem ruptura, herdeira da ordem colonial. Já no século XX, o estatuto de cidadania ganha expressão máxima na carteira de trabalho, símbolo da inclusão no mercado de trabalho: um passaporte social regulado pelo Estado, que abria direitos apenas para os que tinham um emprego formal. Uma cidadania seletiva, que ao definir dessa forma a inclusão logicamente excluía os demais.

E a memória, lembrou, é sempre uma edição. “É claro que os indígenas são parte da nossa nação, mas nós fomos socializados de forma a não pensar neles como nossos co-cidadãos, a pensar-los  como uma categoria à margem da história.” O mesmo ocorre com os quilombolas, cuja rebeldia histórica foi eclipsada pelo gesto paternal da princesa Isabel. A nação que contamos não é mentira: é uma edição renovada. Um enquadramento que desfoca uns e ilumina outros.

Também os slogans tentaram reduzir o Brasil a uma única moldura: “Ame-o ou deixe-o.” “Brasil acima de tudo.” Fórmulas que prometem unidade, mas na verdade expulsam. Elisa foi enfática: “Um discurso nacionalista que propõe parcialidade é uma contradição em termos.”

Nesse ponto, a ciência entrou em cena. Não como torre de marfim, mas como prática pública. “A ciência que nós produzimos custa algo aos cofres públicos. E nós temos o dever, a obrigação moral de retribuir”, afirmou. Retribuir como? “Mostrando que conhecimento só baseado na vontade não avança, que o futuro depende de compatibilizar vontade, análise objetiva dos limites e oportunidades, e confiança.”

Ciência, portanto, como serviço público de clareza — não acima das pessoas, mas com elas.

Ao final, a imagem da nação se delineava como obra aberta. Memória e esquecimento, autoridade e pertencimento, projeto e oportunidade. Uma nação que precisa ser refeita a cada geração. É nesse sentido que Renan ressoa, mais atual do que nunca: a nação é plebiscito cotidiano.

A conferência terminou, o auditório se dispersou, a transmissão online foi desligada. Mas ficou no ar um compromisso: recriar a imagem da nação com mais luz e menos desfoque, ajustando o contraste à altura da nossa complexidade. Se a independência é mito, cabe desmontá-lo. Se é prática, cabe exercê-la.

Hoje, 7 de setembro de 2025, votamos de novo. E amanhã também.
É assim que um país aprende a dizer seu nome em voz clara. E a se ouvir.

Texto: Wellington Gonçalves — revisão: Elisa Reis.

A crônica faz referência à conferência A Nação como Imagem Recriada, apresentada em uma das sessões do curso Imagens dos Mundos Reais e Imaginários: dos Átomos às Catedrais Passando pela Mente, realizado no âmbito da Cátedra Fernando de Souza Barros, sob a coordenação de Adalberto Vieyra, com a colaboração de Cláudia Melmerstein e Manoel Luis Costa, em 08/09/2022, e transmitido pelo canal do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ no YouTube. Disponível em: Transmissão YouTube – Conferência A Nação como Imagem Recriada

Conhecimento, Interculturalidade e Sujeitos na Articulação Universidade e Escola Básica: o Futuro da Formação Docente

10 SET – QUA – 17H30/19H30

Cátedra Anísio Teixeira de Formação de Professores

Conferência Conhecimento, Interculturalidade e Sujeitos na Articulação Universidade e Escola Básica: o Futuro da Formação Docente

O encontro é um convite ao diálogo e à construção coletiva de reflexões que apontem para a formação docente situada, plural e comprometida com a diversidade, a equidade e a transformação social.

Conferêncista:

Professora Dra Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro, Professora titular emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Presencial:

Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo, Rio de Janeiro.

Transmissão:

Canal do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ no YouTube

Hertha Meyer sou eu quando a memória resiste

Naquela segunda-feira, às cinco da tarde, o canal do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ no YouTube se fez sala escura. A tela acendeu com quatro palavras que soaram como batida na porta da memória: Hertha Meyer sou eu. Mulher, judia, alemã — sua biografia começa na Europa dos anos 30, atravessa a Itália e desemboca no Rio de Janeiro, quando a antiga Universidade do Brasil, hoje UFRJ, erguia espaço para a ciência pública. Foi ali que Hertha encontrou abrigo e transformou a universidade em sua trincheira.

Wanderley de Souza, discípulo e herdeiro acadêmico, não conteve a emoção: “Dona Hertha soube o que é medo. Medo da morte iminente.” A lembrança não fecha um passado; abre três tempos. O dela, nos anos 30, quando o nazismo transformou futuro em fuga. O de 2021, quando a ciência brasileira sangrava sob cortes. O nosso, em 2025, quando recordamos que a memória continua sendo campo de batalha.

No Instituto de Biofísica da UFRJ, Hertha transformou exílio em método. Foi pioneira no cultivo celular e ajudou a desvendar o ciclo do Trypanosoma cruzi — parasita causador da doença de Chagas — a doença do barbeiro. Em termos simples: dentro de uma célula, multiplica-se até romper o tecido e seguir infectando. Seu trabalho repercutiu no mundo todo, embora ela mesma repetisse, com humildade: “Não me chame de doutora, não fiz doutorado.” Tornou-se referência sem precisar de títulos honoríficos.

O filme, porém, não deixa que a cientista esconda a mulher. Débora Foguel, tomada pela emoção, lembrou que Hertha, sem filhos, pedia notícias diárias das crianças dos colegas: “Era nisso que se alegrava.” Tratava Wanderley como filho acadêmico; com Débora, exercia o afeto de uma avó improvisada. Outras cenas completam esse retrato: a bengala nas escadas do Instituto, as férias nos Alpes suíços, o “Nunca mais Alemanha” dito como cicatriz, os chocolates discretamente partilhados.

O debate apenas afinou o que a tela já declarava: memória é disputa. Erika Negreiros disse sem rodeios: “As grandes narrativas históricas nos silenciaram… falar da memória feminina é costurar pedacinhos de histórias fragmentadas.” Recuperar Hertha é enfrentar o peso das estruturas patriarcais que empurraram tantas mulheres ao rodapé da história.

A produção ainda recorda a circulação internacional — como a passagem de Rita Levi-Montalcini pelo Rio, futura Nobel que compartilhou bancada com Hertha. São fios que confirmam: ela pertence a uma história global da ciência, também escrita nos corredores da universidade pública brasileira.

Na altura dos 25 minutos, a pesquisadora Carolina Alves crava a síntese: “Falar da história das mulheres na ciência é disputar narrativas, lutar contra o silenciamento e o apagamento.” A frase atravessa o tempo: em 2021, quando a democracia era contestada por autoritarismos; e em 2025, quando a universidade pública deve permanecer em alerta. É preciso estar atenta e forte, mesmo em novos contextos, para nunca mais esquecer.

O título deixa de ser título e vira espelho: “Hertha Meyer sou eu.” É a cientista exilada; é a professora que acorda cedo; é a estudante de primeira geração universitária; é quem insiste em fazer ciência com brilho nos olhos. Em 2021, o média foi laureado no VII Festival Arquivo em Cartaz – Arquivo Nacional; mas talvez o prêmio maior seja outro: romper o silêncio imposto e devolver às mulheres o lugar que lhes foi negado. Nada está dado: é memória e resistência.

E para deixar-se atravessar pela história, não basta ler aqui. O filme Hertha Meyer sou eu está disponível ao final desta matéria — onde imagens, vozes e silêncios dizem o que esta crônica não tem condições de imprimir.

Texto: Wellington Gonçalves — revisão: Marilia Zaluar Guimarães

A crônica faz referência ao lançamento e debate “Hertha Meyer sou eu”, no âmbito da Cátedra Hertha Meyer de Fronteiras das Biociências, sob a coordenação dos titulares Marilia Zaluar Guimarães e Stevens Rehen, em 26/07/2021, transmitido pelo canal do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ no YouTube. Disponível em: Lançamento e debate “Hertha Meyer sou eu”

HERTHA MEYER SOU EU – Direção: Marília Zaluar Guimarães. Brasil, edição e produção artística da ArtBio, 2021. 28m 35s

Seminário Internacional – Saberes Ancentrales: Re-existiendo en la Era de la IA

10 e 11 – SET – 9H

Dia 10/09: das 9h às 13h – Híbrido
Dia 11/09: das 9h às 17h – Online

Em uma era dominada pela ascensão da Inteligência Artificial, como podemos garantir que a tecnologia sirva à essência humana sem apagar a diversidade de saberes do mundo? O Seminário Internacional “Saberes Ancentrales: Re-existiendo en la Era de la IA” nasce para tecer pontes entre mundos aparentemente distantes. O evento propõe um diálogo inédito entre os princípios de relacionalidade e equilíbrio das cosmovisões Andina e Awajún e a lógica da ciência ocidental que fundamenta a IA. Mais do que um debate sobre tecnologia, este é um convite para co-desenhar futuros possíveis, explorando como a resiliência e a sabedoria ancestral podem nos inspirar a desenvolver e aplicar a IA de forma ética, intercultural e a serviço do Bem Viver. Junte-se a nós para semear caminhos de re-existência.

Realização: Laboratório de Estudo das Ciências (LEC) , Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE) , UFRJ e CNPq.

Programação:

Faça o download da programação completa

Presencial:

Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo, Rio de Janeiro.

Transmissão:

Canal do Laboratório de Estudo das Ciências da UFRJ no YouTube

O reencontro de três mestres com a memória e o futuro

O espaço estava cheio antes mesmo do início da celebração. Na sala principal, instalada no prédio histórico sede do CBAE da UFRJ, no Flamengo — onde o antigo Hotel Sete de Setembro guarda memórias da cidade — a plateia se ajeitava entre abraços e reencontros; e, a certa altura, já não era possível distinguir onde terminava a emoção e começava a conversa. A inauguração do novo Espaço “Antonio Barros de Castro, Carlos Lessa e Maria da Conceição Tavares” devolveu aos presentes uma sensação rara: a de que a universidade pode ser, ao mesmo tempo, casa de afetos e laboratório de futuro. O ambiente — cuidadosamente restaurado e equipado para atividades híbridas, com sala principal para cerca de 60 pessoas, integrado ao conjunto arquitetônico do CBAE — ajudou a definir o tom da noite: respeitar o passado e operar, com rigor e imaginação, no presente e no porvir.

Foi uma roda de conversa em forma de tributo — e um tributo que soou como aula aberta. Nas primeiras falas, um consenso se formou sem esforço: Castro, Lessa e Conceição não eram apenas grandes economistas; eram mestres, daqueles que atravessam gerações e deslocam bússolas intelectuais. Sentados em torno da mesa em U, os presentes pareciam carregar histórias pessoais consigo; cada lembrança acendia uma centelha do método e da coragem que os três ensinaram a cultivar.

Houve risos, lágrimas discretas e, sobretudo, a sensação de banquete intelectual — expressão que, dita ao microfone, virou mote da noite. “É um banquete”, repetiu-se, como quem reconhece a fartura de ideias e de afeto compartilhados.

Entre os muitos momentos marcantes, alguns fizeram o tempo parar. Ricardo Bielschowsky, aluno e amigo de décadas, ofereceu à plateia um retrato que tocava algo essencial: “Sua amizade foi das riquezas da minha vida; seu conhecimento era imenso e seu afeto, também.” A frase, dita por quem conheceu Antonio Barros de Castro por dentro, condensou o que tantos sentiam ali — a inteligência, sim, mas também a presença humana como força de transformação.

Lavínia Barros de Castro trouxe a casa ao centro do palco e, com a serenidade de quem fala do pai e do intelectual, desarmou qualquer solenidade vazia: “Meu pai odiava a palavra ‘legado’.” A plateia sorriu — e entendeu. Não se tratava, naquele encontro, de empalhar memórias, mas de pôr ideias para trabalhar. “A aposta maior dele era uma sociedade do conhecimento que incluísse todo mundo.” O verbo no presente — apostar — soou natural, como se Castro ainda estivesse ali, apontando brechas e possibilidades.

Do lado de Maria da Conceição Tavares, vieram lembranças com o tempero da convivência e a energia do embate. Franklin Serrano contou, entre risos, que o primeiro telefonema da economista foi “um palavrão”, seguido de um clique na linha; pouco depois, vieram a amizade, as conversas sem concessão e a régua que ela nunca poupava de ninguém. “Conceição tinha alta intolerância a resultados medíocres e ideias mal pensadas”, resumiu. Em duas frases, o espírito da professora: paixão inegociável por pensar o Brasil com ambição e coragem.

Carlos Lessa apareceu nas palavras dos colegas como um tribuno generoso, desses que incendiavam auditórios com humor, erudição e uma brasilidade afetiva — a ponto de Fábio Sá Earp lembrar que, mesmo na molecagem, havia método e uma ética do público. Sua Enciclopédia da Brasilidade, obra de maturidade à qual dedicou anos, foi lembrada como gesto de formação: material precioso e de circulação restrita, concebido para despertar pertencimento e curiosidade. Ali mesmo se aventou a ideia de estudar caminhos para tornar esse acervo mais acessível ao público, em diálogo com a UFRJ e parceiros — uma forma de prolongar, no tempo digital, o impulso pedagógico que movia Lessa.

No fluir das falas, a mediação firme e elegante de Ana Célia Castro deu cadência de crônica coral à noite. Houve lugar para a análise histórica, para o comentário biográfico, para o dado técnico — e para o riso, sempre que a lembrança de sala de aula pedia. Aspásia Camargo afinou o diapasão do tributo com uma convocação: “Precisamos de um projeto de país que una identidade nacional e Estado de bem-estar.” A frase pousou com naturalidade sobre os três homenageados, que sempre recusaram a dicotomia entre crescimento e inclusão.

A certa altura, a conversa retornou a Castro — e Maria Antonieta Leopoldi amarraria a cena com precisão de historiadora: o que fazia de Castro um visionário não era futurologia fácil, mas a capacidade de “ver as tendências estruturais por baixo do ruído” e apostar no progresso técnico como política de Estado. Não por acaso, sua leitura sobre o governo Geisel — pedra de toque para entender escolhas industriais e institucionais do país — seguiu ecoando ali como lente que ainda ilumina dilemas presentes.

No plano afetivo e no plano das ideias, Renato Boschi sublinhou aquilo que a roda demonstrava por si: a universidade é trabalho coletivo, feito de redes de confiança e de debate público, e esse novo espaço do CBAE nasce para abrigar exatamente isso — trânsito entre disciplinas, diálogo intergeracional, enfrentamento de controvérsias. Ao fim, a síntese parecia evidente: celebrar mestres é reafirmar um método de pensamento, não apenas recordar biografias.

A força do encontro esteve também nos pequenos gestos. Um ex-aluno contou como Conceição transformava uma pergunta atravessada em guinada de pesquisa; outro lembrou o humor de Lessa ao explicar um conceito espinhoso com uma história de botequim; uma ex-orientanda de Castro confessou que aprendeu com ele a mirar alto sem perder a delicadeza. Quando Bielschowsky evocou um “quarteto de ouro do estruturalismo” — com o trio e Celso Furtado — já ninguém precisava de argumento adicional: as trajetórias falavam.

Era impossível, contudo, ignorar o cenário. Um espaço novo dentro de paredes antigas: o contraste entre modernização e memória parecia explicar por que aquela noite tinha algo de rito de passagem. O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED) restaurou este ambiente do CBAE e o dotou de infraestrutura audiovisual e conexão para encontros híbridos, não como adereço, mas como condição de circulação do pensamento — rodas de conversa, cursos, disciplinas, debates — e como aposta na abertura ao público para além dos muros físicos. O endereço histórico mantém a espessura do tempo; a técnica amplia os alcances da conversa.

No desfecho, Ana Célia agradeceu oradores e público, lembrando que a noite tinha sido também um exercício de cuidado — com a linguagem, com a divergência, com a cidade. “Banquete intelectual”, alguém repetiu outra vez, já quase como bênção. E talvez seja isso que o novo espaço proponha: reunir gente para pensar o Brasil com fome e com método, como fizeram — e fazem, pelos alunos que deixaram — Castro, Lessa e Conceição. Aquela trindade das intensidades que, no léxico dos amigos, virou quase um gênero literário: o ensaio falado, a aula-debate, a provocação generosa.

Se tributos costumam encerrar ciclos, aqui o gesto foi o inverso: abriu-se uma casa. Modernizada por dentro, antiga por fora, popular por vocação, acadêmica por exigência — uma casa para que o pensamento volte a se encontrar com a vida. E para que a memória de três mestres faça aquilo que sempre ensinou: empurrar o tempo para a frente.

Ao apagar das luzes, restava a sensação de que os três voltaram a conversar. Não estavam materialmente, mas em espírito e na vibração das palavras, no riso que ecoou diante das lembranças, no silêncio respeitoso após cada citação. O novo espaço, moderno em suas formas e histórico em sua alma, guarda agora essa presença. Um lugar onde passado e futuro se encontram — e onde três mestres continuam a ensinar que o pensamento crítico é, também, um ato de esperança.

Texto: Wellington Gonçalves

A crônica faz referência ao evento de Inauguração do Espaço Castro, Lessa e Conceição. Disponível em: Transmissão YouTube – Inauguração do Espaço Antonio Barros de Castro, Carlos Lessa e Maria da Conceição Tavares

Esta crônica é uma homenagem da equipe técnico-administrativa do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento a Antonio Barros de Castro, Carlos Lessa e Maria da Conceição Tavares — e a Ana Célia Castro, cuja arte de reunir pessoas, saberes e gerações, junto à dedicação de sua equipe, tornou este e tantos outros encontros possíveis.

Em reconhecimento, assinam, em nome das equipes que assessoram o CBAE e o INCT-PPED: Bárbara Calabria, Cecilia Salek, Daniel Volchan, Fernando Vasconcelos, Guilherme Aguiar, Letícia Simões, Maristela Santiago de Souza, Míriam Maia, Raquel Bastos, Sean Barbosa, Solange Jorge, Sonia Laís da Rocha, Vera Barradas e Wellington Gonçalves.


Links relacionados:

CBAE inaugura Espaço Antonio Barros de Castro, Carlos Lessa e Maria da Conceicao Tavares com rodas de conversa e convidados especiais

Transmissão YouTube – Inauguração do Espaço Antonio Barros de Castro, Carlos Lessa e Maria da Conceição Tavares

Janelas Abertas Para o Futuro: conheça a sede do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ

Prédio Histórico – Hotel Sete de Setembro

Conferência com Johannes Petry – apenas online

26 AGO – TER – 10H

Convidado:

Johannes Petry – BRICS and the Global Financial Order: Liberalism Contested?

É doutor em Economia Política Internacional pelo Departamento de Política e Estudos Internacionais da University of Warwick, onde sua tese recebeu o Economic Geography Research Group PhD Thesis Prize da Royal Geographical Society. Atualmente, é Pesquisador Sênior na Universidade Goethe de Frankfurt e investigador-chefe do projeto StateCapFinance, financiado pela DFG, que compara as relações entre Estado e mercados de capitais em países como Brasil, China, Índia, Rússia, África do Sul e Coreia do Sul. Sua trajetória acadêmica inclui passagens como pesquisador e docente na Freie Universität Berlin, University of Bonn e visitas a instituições como Fudan University, Peking University, Sciences Po Paris, Ewha Women’s University, Chinese University of Hong Kong e NYU Shanghai.

Sua pesquisa examina as transformações do sistema financeiro global pós-crise, com ênfase nos mercados de capitais chineses, nas infraestruturas financeiras e no papel dos BRICS na contestação à ordem financeira liberal. Petry é coorganizador do livro BRICS and the Global Financial Order: Liberalism Contested? (Cambridge University Press, 2024) e autor de artigos em periódicos como Competition & Change. Também é cofundador do Warwick Critical Finance Group, membro do comitê da rede de pesquisa China in Europe e associate editor da revista Competition & Change, combinando atuação acadêmica internacional, produção científica de impacto e liderança em redes de pesquisa globais.

Apresentação:

Carlos Henrique Santana, UNILA e INCT-PPED

Sobre o evento: 

O sistema financeiro global é o alicerce econômico da ordem econômica liberal contemporânea. Ao contrário de outras áreas da economia global, as finanças raramente são analisadas em discussões sobre contestações ao liberalismo econômico. No entanto, um processo bastante abrangente de contestação externa da ordem financeira global (OFG) está em andamento. Essa contestação ocorre por meio da crescente participação das economias de mercado emergentes nas finanças globais nos últimos anos, especialmente a ascensão das economias do BRICS. Este volume investiga se e como os BRICS contestam a OFG contemporânea, conduzindo uma análise empírica sistemática em sete países, onze áreas temáticas e três dimensões. Essa contestação ocorre em todas as áreas temáticas, mas concentra-se principalmente na dimensão doméstica e transnacional, não no nível internacional, no qual muitas pesquisas se concentram. Em vez de todo o BRICS, são especialmente China, Rússia e Índia que contestam as finanças liberais. 

Transmissão ao vivo pelo Zoom:

Apenas online. Link Zoom será encaminhado aos inscritos um dia antes do evento.

Ensino de Culturas e Línguas Estrangeiras na UFRJ

25 AGO – SEG – 17H

Apresentações:

Prof. Rogerio Tilio – “A língua inglesa na perspectiva de uma educação linguística crítica na graduação em Letras da UFRJ”

Prof. João Baptista – “Línguas, literaturas e culturas em contato: uma experiência”

Profa. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold – “A experiência de ensinar línguas no Projeto CLAC”

Flora De Paoli Faria – “O ensino das línguas estrangeiras hoje na Faculdade de Letras/ UFRJ e a inteligência artificial”

Mediação:

Profa. Sonia Kapps Reis

Coordenação:  

Godofredo de Oliveira Neto – Titular da Cátedra Machado de Assis

Titular da Cátedra Machado de Assis do CBAE-UFRJ – é escritor, professor universitário e membro titular da Academia Brasileira de Letras, onde ocupa a Cadeira 35 desde setembro de 2022, sucedido por Ana Maria Machado. Professor Titular de Literatura Brasileira na UFRJ, possui graduação e mestrado em Letras pela Université de Paris III – Sorbonne-Nouvelle e doutorado pela UFRJ, com pós-doutorado na Georgetown University (EUA). Autor de 21 livros entre romances e contos – alguns traduzidos para o inglês, francês, espanhol, italiano, vietnamita e búlgaro – foi premiado com o Jabuti em 2006 e tem obras adotadas em diversas universidades brasileiras. Atua como pesquisador com foco no Modernismo e na literatura contemporânea, tendo orientado dezenas de dissertações e teses, participado de centenas de bancas e congressos e ocupado cargos de gestão acadêmica, como Pró-Reitor de Graduação da UFRJ e Diretor do Departamento de Política do Ensino Superior no MEC. Integra ainda o PACC-UFRJ, a Cátedra Machado de Assis, o comitê da Collection Archives/UNESCO e diversos conselhos e grupos de pesquisa nacionais e internacionais.

Link direto da transmissão:

Canal do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ no YouTube